Sunday, October 19, 2008

Why bad drawings look better than reality

Desde quinta-feira passada que estou pra escrever esse post. Ja sentei umas tres vezes na frente do computador, mas tudo parecia mais urgente e eu nao me achava articulado o bastante pra escrever como queria. Outro dia eu comprei uma abobrinha que ficou escondida na geladeira e umas semanas depois tivemos que joga-la fora. Minha memoria tambem funciona assim, e tem um prazo de validade ainda mais perverso. Se uma ideia fica esperando em alguma prateleira do meu cerebro, logo logo ja nao me basta mais. Vai deteriorando e ja nao da mais pra usar nem em blog nem em coisa nenhuma.

O que aconteceu foi que quinta-feira passada tinha que entregar 4 trabalhos pra aula de desenho, e, claro, passei a noite de quarta acordado trabalhando. "uma planta", "coisas de cozinha", "o lugar onde estudo" e "uma pilha de correspondencias".


A maioria dos alunos estrangeiros vive no Village & a maioria dos alunos estrangeiros sao chineses. Os chineses que nao conseguem apartamento no Village, vao morar a algumas quadras daqui, num conjunto habitacional. Os chineses que moram no conjunto, estao sempre nos apartamentos do Village, cozinhando, jogando videogames ou estudando. Eles estao semepre juntos. Chega a ser bonito de ver.

Quarta a noite, eu num quarto desenhando ja automaticamente, o Tales no outro montando power points, bate na minha porta esse menino de oculos, entra e diz:
_hóa-wah-riú, com um sorriso infantil e a espectativa de uma vida inteira. Eu tinha muita coisa pra fazer mas fiquei conversando com ele, sem tirar os olhos do papel. Tinha colocado a tv com o dvdzinho emprestado no meu quarto pra ficar escutando musica e diminuir meu sofrimento. O quarto estava todo azul por causa da tv, e o menino ficou em pe de braços cruzados, parado por muito tempo em silencio me assistindo desenhar. Os Chineses aqui todos fazem engenharia. Morrem de rir quando falo que tenho trabalho pra fazer me referindo a 4 desenhos de "uma planta", "coisas de cozinha", "o lugar onde estudo" e "uma pilha de correspondencias". O menino me falou que nao estava acostumado a dormir longas horas. Eles ficam no Village depois da aula e acabam dormindo em algum sofa, no chao do quarto de algum amigo, ou simplesmente nao dormem nada. A qualquer hora que eu sair do meu apartamento, vao haver chineses diante de laptops e livros empilhados, apoiando a testa sobre exercicios de matematica, nas mesinhas das areas de convivencia.
_ O que 'e que voces fazem para entretenimento? - o menino ficou me perguntando, mas nenhuma resposta o satisfazia. O que ele queria mesmo saber era como eu conseguia viver com aquele tedio horrivel, a solidao, aquela morte longa, dormente, preguicosa que ele sentia todo dia sem saber porque. Ele ja nao conseguia mais dormir. E eu nao tinha essas respostas, nao.
Ele tinha um jeito tao desconcertante de ser perfeitamente claro e objetivo pra falar do tedio que eu ria, sem graca, e tentava falar pra ele ficar ali que eu ia tirar uma foto dele.

Depois ele inclinou a cabeca sobre meu caderno e disse com toda honestidade:
_ Por que esses seus desenhos feios sao tao mais bonitos que a realidade? Por que voce nao desenha direito? - Era uma pergunta honesta, verdadeira. Eles nao estava querendo dizer nada alem disso. Ele me disse que na China os atistas desenham com pinceis grossos linhas simples e que ele sempre achou isso muito feio. Mas que de repente, ali na luz azul do meu quarto, ele nao queria mais ver desenhos bonitos. Ele gostava dos desenhos feios da China, dos meus desenhos feios.

Acho que esse foi o maior elogio que ja recebi. Nao sei se ele acha a vida ainda pior que meus desenhos ou se ele concluiu que quando a gente olha pruma coisa ela ja nao 'e mais do mundo e passa a ser nossa, pra botar no papel do jeito que der gosto de ver.

Dei uma risada boa. Pedi pra ele escrever no meu caderno a frase em chines. Ele ficou sem entender nada e escreveu algo que se traduz por "blur is a kind of beauty" (a disformidade 'e uma especie de beleza). Depois assinou embaixo: "Clark He"

Eu disse "sabia que voce 'e um poeta?" e ele riu. Eu nem sei o nome dele de verdade e isso faz dele algo como o meu desenho. Alguma coisa menos que a realidade mas mais interessante que ela, talvez.

4 comments:

Anonymous said...

amizade com chinês só poderia dar nisso: coisas que são indisizíveis em línguas latinas. É tanta honestidade exata que eu duvido que seu amigo faça idéia da poesia que fez ao simplesmente falar. Ainda mais pra gente João, sempre tão confuso, prolixo, abstrato e relativista.. síntese é sempre poesia. E pra te falar a verdade, eu nunca acreditei na humanidade dos asiáticos. Inclusive eu tenho uma teoria de que eles não são humanos. (aliás vc já viu um deles pelados? a nudez asiática reforça minha tese). Longe de ser um preconceito, é uma admiração. Acho que esse post foi a coisa mais bonita que vc já fez nesse blog.

Maíra said...

Uau!
Que lindo!
Nunca comentei aqui, mesmo porque nunca tive nada de muito interessante pra dizer sobre (ainda mais no meio de tanta gente inteligente e bem informada....hehehe...).
Mas esse pediu um comentário de admiração, achei lindo, poético, sei lá, só sei que gostei muito!

Beijos

João Marcelo Emediato said...

mali, eu nao decifrei o seu codinome aqui! me desculpa mas quem 'e voce?! adorei o comentario!

Maíra said...

João, sinto em te decepcionar, mas a tal mali não é nenhuma admiradora secreta de blogs, e sim eu mesma....hehehehe....não entendi pq que saiu assim, aqui falou que sairia o meu e-mail...

=)